TODOS OS CÃES
todos os cães mudos de luz à passagem do cortejo
o sorriso do homem do trombone de varas
pendurado no rebate dos sinos
cai uma chuva miudinha a amortalhar o som dos metais
a tenda das comédias ensopa debo-
tada de uma alegria de domingo
vêm as crianças pedir as janeiras à nossa porta
cantam na sua inocência de quem não
sabe da lama nos nossos pés
e afagam-nos com cantigas de cristal para
nos limpar da tristeza pressentida
enfim a tarde vai chegando muito cedo e olha-
mos as janelas iluminadas das casas
que são dos outros,
como quem passeia um cão na noite da consoada
Merry Christmas (A.M. Pires Cabral et al.), Averno, Lisboa, 2006.
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