segunda-feira, 25 de julho de 2016

PAULO DA COSTA DOMINGOS

[FABRIQUEI EU TODO O VIDRO]

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Fabriquei eu todo o vidro preciso nas janelas de uma casa à minha medida. Uma parte-de-casa, digo, algures, ou de alguém. Importava ficar-se ao abrigo de ventos de granizo, ter uma referência nascida do empreendimento destas mãos. O que me imiscuiu em tantas e tão perdulárias moradas. Logo em muito miúdo habituara-me a pequenos domínios como o cantinho de uma marquise solarenga, clara, onde o vão entre quatro pés do tanque em cimento me bastava para tecer cobiçosas intrigas. Jamais me atrevia a espiar o território adulto, verdadeiro campo de treino para a desconfiança e o desatino. Era como escolher na encosta íngreme da ravina o mergulho directo num casulo.

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Narrativa (edição revista), Alambique, Lisboa, 2016.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

VASCO GATO

[IMPRESSO A GIZ NA ARDÓSIA]


Impresso a giz na ardósia,
um gesto de desamparo.

Vem, parece dizer a mão,
traz-me o continente
da tua estranheza.

E esse é o veneno.
E esse é o demónio que abalou
a podridão dos anjos.


Primeiro direito, Artefacto, Lisboa, 2016.