[TODOS OS DIAS VIAJO PARA A CULPA]
Todos os dias viajo para a culpa.
É lá onde trabalho, movendo e removendo
juízos e vergonhas, vergando-me nas margens
do rio tenebroso. Depois liberto as faces
lavadas nas passagens, estendo inteiro ao sol
o manto, a envoltura, a translúcida mortalha
que ilude o meu rubor. Viajo para a culpa
e regresso ao fim dos dias, a tempo dos crepúsculos
e do corpo de repouso. Já amo esta viagem
que segura o meu amor, a inteligência canta
todo o dia de canseiras. Assim trabalho ao sol
fazendo por que a vida não me seja inimputável.
A nuvem (2.ª edição), Opera Omnia, Guimarães, 2019.
Há 9 horas