segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

CARLOS POÇAS FALCÃO

[TODOS OS DIAS VIAJO PARA A CULPA]


Todos os dias viajo para a culpa.
É lá onde trabalho, movendo e removendo
juízos e vergonhas, vergando-me nas margens
do rio tenebroso. Depois liberto as faces
lavadas nas passagens, estendo inteiro ao sol
o manto, a envoltura, a translúcida mortalha

que ilude o meu rubor. Viajo para a culpa
e regresso ao fim dos dias, a tempo dos crepúsculos
e do corpo de repouso. Já amo esta viagem
que segura o meu amor, a inteligência canta
todo o dia de canseiras. Assim trabalho ao sol
fazendo por que a vida não me seja inimputável.


A nuvem (2.ª edição), Opera Omnia, Guimarães, 2019.

domingo, 2 de fevereiro de 2020

EMANUEL JORGE BOTELHO

[A PALAVRA À ESPERA]


a palavra à espera
da palavra
à espera
da palavra


Dizeres de Atalaia II [de Perguntas queimadas], Averno, Lisboa, 2019.