CORRENTE ALTERNA
Não sei o que é melhor neste jardim
amuralhado, se o aperto de viver
entre repouso e coerência, ou a injúria
de vogar entre palavras e mais nada,
dando visos de ilusão a criaturas
condenadas: a mesa posta à sombra
da figueira, a certezinha das roseiras
e das rãs, que não se cansam de louvar
a imolada providência dos insectos,
sem saberem da defunta Primavera.
O sol desaparece entre eucaliptos
e acácias infestantes. No laguinho
a noite tomba sobre folhas de nenúfar
e os peixes já recolhem para o fundo
o seu modelo de verdades sem mistura.
Está na hora de fechar este caderno
e acender o buzinão noticioso,
pois o espírito alimenta-se em atrito,
e a arte é um trajecto de nenúfar,
intervalo colorido, entre a luz e o lodo.
Serém, 24 de Março, Averno, Lisboa, 2011.
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