A MÁQUINA DE COSTURA HUSQVARNA
1.
Havia em casa uma máquina Husqvarna
e às vezes a Mãe sentava-se a ela
e costurava.
Curioso, a Mãe não conseguia
costurar calada. Isto é: tinha de cantar.
E cantava muito e bem. Dir-se-ia que
a costura exigia encenação
de que cantar era parte obrigatória.
Sentado ao pé dela, ficava fascinado
pelo picar obstinado da agulha sobre o pano
ao ritmo com que a Mãe impelia o pedal
— e o picar lembrava-me o afã das pombas
devorando em vaivém os grãos de milho
que meu Pai lhes atirava à porta da farmácia,
nos dias em que estava de maré.
2.
Chegou porém o dia em que as dores nas costas
impediram a Mãe de costurar (mas não de cantar).
Ora, a fábrica Husqvarna, avisadamente,
à boa maneira sueca,
previa o caso de as mães não poderem costurar
e o corpo da máquina estava preparado
para, quando removido do uso normal,
se dobrar sobre si e embutir.
(Lembrava então uma ave exausta
que recolhe a cabeça sob a asa e cisma.)
Mas, como foi feita para ser útil,
sempre servia de mesa numa precisão.
Nunca mais vi pombas a debicar grãos de milho
no picar diligente da agulha.
3.
Acho que ainda se fabricam coisas Husqvarna:
motocicletas, corta-relvas, moto-serras,
ferramentas prestimosas, praticáveis.
Mas aposto que nenhuma dessas coisas boas
tem mães a cantar nela nem sequer
lembra pombas a ninguém.
Trade Mark, Cotovia, Lisboa, 2018.