Um homem português que ame outro homem e tenha mais ou menos a minha idade, no relativamente limitado arco temporal da sua existência, já conheceu três situações inteiramente distintas: a repressão pura e dura da velha mentalidade, a areia movediça da «tolerância» dos novos tempos (essa refinada forma de discriminação, como alguém lhe chamou) e, por fim, um libertador princípio de aceitação que se vislumbra apenas, por enquanto, na fé e no voluntarismo dos muito poucos que pela plena aceitação diariamente, em todas as circunstâncias, lutam com firmeza. E interrogo-me acerca da enormíssima e pequena diferença que há entre levar o triângulo cor-de-rosa bordado ao peito num campo de concentração e deambular pela ampla prisão do mundo com a bandeira do arco-íris em miniatura pregada militantemente na lapela do casaco. Militância que não se confunde nem nada tem a ver com forma alguma – camuflada ou aberta – de proselitismo sexual, ao contrário do que diz a pior gente que nos ataca. A militância é apenas, muito modestamente, um acto de necessidade da luta pela sobrevivência: um homossexual sozinho e calado é um homossexual em perigo. Mas a militância é também, fundamentalmente, um alegre e magnífico acto de liberdade. Ninguém é obrigado a confessar a própria sexualidade, mas essa é a mais generosa dádiva que podemos legar a todos os homossexuais de ambos os sexos que ainda não nasceram.
A angústia da azeitona antes de se transformar em luz [de Memória de lápis de cor], Não (edições), Lisboa, 2019.