segunda-feira, 25 de julho de 2011

RUI CAEIRO

[O NOSSO AMOR NÃO É COISA QUE SE APRESENTE]


O nosso amor não é coisa que se apresente
a uma sociedade como esta cujas exigências
stop que é do nosso amor que se trata
o nosso amor cheira a folhas podres de Outono
e quanto a reverdecer vou ali e já venho
o nosso amor está de rastos e como há-de ir
o nosso amor coelho esfolado o nosso amor
disco partido o nosso amor rato morto o nosso
amor ovo cozido ovo estrelado porque isso tanto faz
o nosso amor osso esburgado o nosso amor
brinquedo que um menino esventrou e não sabe
agora como é que vai poder consertar
o nosso amor chá de tília choque
anafilático paragem cardíaca
mas nosso amor apesar de ou nosso amor
tudo e mais alguma coisa o nosso amor
cinco sentidos viste-o ouviste-o tocaste-o
cheiraste-o degustaste-o o nosso amor
seja ou não seja e esteja ou não esteja
ele é para já e largamente quanto basta


O quarto azul e outros poemas, Letra Livre, Lisboa, 2011.