É FEIO APONTAR
É feio apontar para fora de nós.
Mesmo que seja para uma simples efígie,
e mesmo que essa efígie seja de uma mãe ausente,
isto é, morta, isto é, triturada prematuramente
pelas rodas dentadas da máquina insegura
e mal oleada a que chamamos tempo
e mesmo que nos tenha sido pedido
para apontar e pôr ar de quem diz
«eis aquela em quem penso dia e noite»
com a boina na mão em sinal de respeito
enquanto a câmara solícita regista
esse respingo de emoção por encomenda
que andará depois pelas gavetas
e umas vezes por outras virá à luz do dia
e invariavelmente gerará
uma lagrimazinha intempestiva
que, como se faz com as moedas,
possa ser introduzida na ranhura
do mealheiro das sombrias
memórias familiares,
Nós, os desconhecidos, org. de Daniela Gomes e Rui Pires Cabral, Averno, Lisboa, 2012.
Há 11 horas