para o Manolo
O rapaz da camisola era espanhol e tinha
a minha idade (fumámos juntos
alguns charros, se é que isso vos interessa).
Estava lá, no dia em que finalmente
comprou a t-shirt do bar onde julgava
encontrar amigos, rebaixas de amor e música.
Deixou-me então uns discos, o sorriso
de sempre, truques de Pradera que incertamente
o reconduziam ao volante do pai e à
infância que passou, nos arredores de Cáceres.
Tinha vindo trabalhar, por poucos meses.
Não ganhava mal e eu, sem nunca
o dizer, talvez perdesse ainda melhor. Mas apaixonou-se
pela cidade (eu entendo). Morava na Graça,
sorria de facto muito, tornava mais próximos e comuns
os amigos que não tenho. A Ibéria, a desoras,
parecia subitamente possível – embora
a rapariga, loura, insistisse em dizer que não.
São tristes aqueles que partem e reduzem Lisboa
à vaga rotina dos escombros, ao despovoamento
dos afectos. Talvez um dia o rapaz da camisola
me telefone para que falemos de tudo
menos de poesia. Para já, gostava de lhe dedicar
um poema melhor, sem custos alfandegários, simples
como os copos que nos encostaram juntos ao balcão.
Sunny Bar, sel. de Rui Pires Cabral, Alambique, Lisboa, 2015.