neste clima de opinião, as tuas palavras deixaram de fazer sentido. existem vozes que reproduzem a voz humana a cantar o vinho de uma árvore persa, pesado como o nome que não chamo alto. a andar de costas contra o futuro, vejo apenas o que já passou: a música num quarto virado a norte, escolhido como espaço para avaliar a economia dos afectos. a teoria dos jogos exige um indivíduo racional e que queira vencer. talvez por isso todos os planos tenham falhado. ficarei mais um pouco à tua espera, até ser demasiado tarde para regressar ao território das pequenas recompensas. esta terra é um lugar povoado de mitos que vamos destruindo um a um. resta agora a ilusão de que, num tempo que nos chegou a ser contemporâneo, teríamos palavras para descrever esta perda de idades passadas. as opiniões dividem-se sobre a continuidade do ser ao longo de uma vida feita de lentas metamorfoses. a passagem dos anos, a construção do corpo e as circunstâncias criaram três ou quatro rapazes com o meu nome. não fui eu que, na adolescência, regressei a pé a casa, pela noite dos subúrbios, depois de ter perdido o último comboio e, sem o saber ainda, a tua atenção. sou hoje o duplo da memória de mim próprio e, em alguns minutos roubados às horas, escrevo a biografia de um desconhecido.
Telhados de Vidro, n.º 20, Averno, Lisboa, 2015.