domingo, 26 de fevereiro de 2012

FERNANDO DE CASTRO BRANCO

O CÉU DAS GRUAS


Lázaro Inocêncio do Nascimento,
manobrador de gruas na auto-estrada
transmontana, sai do túnel do Marão
para a negra luz do desemprego
e das carências em família. Manobrou

com perícia a cegonha de ferro no céu
da montanha, dialogou com Deus
e com os pássaros sociáveis; olhou
para o fundo de si e concluiu que na terra
ou nas nuvens a vida é sempre abismo

onde a altura é uma questão menor. Hoje
desceu de vez as escalas íngremes,
findou a concessão do troço e do capital,
agora está entregue a si, que o mesmo é dizer
ao destino de ninguém. Lázaro

Nascimento diz que com esta descida
à terra morreu um pouco, e assim à terra
descerá definitivamente em tempo certo
sem estranheza de maior. Não carece
pois o Mestre de o ressuscitar por mais

que alastre o pranto das irmãs
e os direitos da quadra. Na ferrugem
definitiva dos materiais o sinal perene
de que não vale a pena o esforço
de retirar os panos uma e outra vez.


Público, Lisboa, 25 de Fevereiro de 2012.