para o José Carlos de Almeida Gonçalves (in memoriam)
Lembro-me bem dessa tarde, junto à piscina em ruínas, e com a Graça ao lado. Nunca me tinham perguntado se escrevia. Disfarcei o melhor que pude o embaraço, mas a dúvida era recíproca. Anos mais tarde, esclarecemo-nos mutuamente. Tive a franqueza de lhe dizer pouco interessantes as prosas e poemas que me mostrou; e ele foi grande ao ponto de me elogiar como poeta, sem sombra de ressentimento. Nesse ponto, aliás, nunca houve equívocos. Não partilhávamos os mesmos romancistas, nem compositores (embora nos unissem Bach e Brahms, entre outros), mas em poesia, regra geral, estávamos de acordo. Que pena, tio, não gostar de José Miguel Silva, pensei eu – minutos antes da cremação do Sérgio Eloy.
Ainda assim, e dada a enorme diferença de idades, não é comum haver tantas sintonias. Teria cada um de nós o seu Bach (de Karajan o dele, de Leonhardt o meu), mas ele era-nos igualmente imprescindível, sem que acreditássemos no seu ou em qualquer outro Deus. E seríamos, seremos ainda, os únicos naturais do Vale de Santarém a amar a música de Sainte-Colombe, à qual chegámos, como convém, solitariamente.
Cólofon, Fahrenheit 451, Lisboa, 2012.