"When someone is dying
there is no point in telling him about the snow."
IRIS MURDOCH
Passou demasiado tempo
desde o último fim do mundo.
Os mecanismos quebraram-se
e sobram agora marés confusas,
países de fronteiras esmaecidas.
Visto de cima, o homem
é esta matéria mínima,
insecto negro de patas para o ar,
brincando a haver deuses
que o contemplem ainda.
(A noite toda no lavatório
branco da vida,
à espera que algo desça
e lhe devolva contornos,
uma escala compreensível.)
Mas os deuses despiram Orfeu
da sua curiosidade,
dobraram sombra sobre
sombra numa cadeira
antes de fecharem a conta.
Ao fotógrafo, deixaram
apenas um travo amargo
em jeito de temperatura.
Tempos vários, Paralelo W, Lisboa, 2014.