quinta-feira, 30 de abril de 2015

DAVID TELES PEREIRA

BOZE IGRZYSKO


Contam que é o reino mais frio da terra.
Biblioteca de pretéritos em vermelho-mudo
sob os longos olhares de uma sereia esquecida,
ferida no crepúsculo deste morder invernal.

Diz-se por aqui que a verdadeira igualdade
mora no cemitério e hoje o meu corpo dorme
por todas as pedras, com o círculo quebrado
da bem ordenada coroa. Que poder tão inútil,
cinco soberanos incapazes de falar a verdade:
nos dedos uma folhagem de astros, mas na boca
o sabor negro e persistente desta história inabitável.

Contam que é o reino mais frio da terra
e é bem possível que o seja.
Como aquela palavra, a mais perfeita,
uma sílaba de lábios abertos para a névoa
e um toque de língua no tecto da voz.
Daqui nunca ninguém saiu vivo a não ser em sonhos
e, claro, como sempre se ouviu,
não é saudável engolir mortos sem os mastigar primeiro.


AA. VV., Quarto de hóspedes, Língua Morta, Lisboa, 2013.