ESCRITA CRIATIVA
Havia ainda os pequenos
marçanos de bata de riscado, que dormiam
nas caves das mercearias entre os fardos de
bacalhau e polvo seco. Cruzavam-se na rua
com as aprendizas de modista que começavam
por apanhar alfinetes do chão no atelier, entregar figurinos
às freguesas, encerar os soalhos da mestra e só depois
iniciar bainhas e alinhavos.
Os mestres da escrita criativa
ensinam aos já adultos marçanos
e às prováveis costureiras
a talhar sublimes arroubos ou memórias
porque é bonito ser artista, conhecer as surpresas
da sintaxe, o encanto da melancolia ou o poder, dizem eles, do verbo.
Entretanto esses mestres
da palavra
transmitem os seus belos ofícios, sem a metonímia
de fardos de bacalhau ou polvo seco. E nem
sequer apanharam alfinetes em Ítaca ou
enceraram o soalho do Mestre Caeiro.
Telhados de Vidro, n.º 19, Averno, Lisboa, 2014.
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