quinta-feira, 27 de setembro de 2012

MANUEL DA SILVA RAMOS

[EU, QUE TINHA IDO À BARRAGEM DO BELICHE]


[...]
 
Eu, que tinha ido à barragem do Beliche nadar e ver se me afogava, nesse dia tive um desastre propositado numa curva contra um eucalipto, e o que é mais curioso é que não entrei no coma, como eu desejava, fui projectado e saí dessa minha vontade de morrer completamente ileso.
 
[...]


Undine em Cacela, Centro de Cultura e Desporto dos Trabalhadores da Administração Tributária do Distrito de Lisboa, 2005.

domingo, 23 de setembro de 2012

LUÍS AMARO

RECUSA


Certas horas que passaram,
ah! dou-as por invividas:
poeira incerta, infantil
que os ventos levaram...

Seu rasto é fumo e nada,
mentira, confusão.
Certas horas diluídas
não foram, nem são.

Não me reconheço nelas
porque lá não fui presente.
Cinza inútil, vaga névoa...
– simplesmente.


Saudade, n.º 10 (inicialmente publicado sob outro título em Dádiva), Associação Amarante Cultural, Amarante, 2008.

domingo, 16 de setembro de 2012

EMANUEL JORGE BOTELHO

[VOU-ME EMBORA, DISSESTE]


vou-me embora, disseste,
sem mentir à face,
sem pousar os olhos nos espelhos da casa.

ontem, deixei incenso
dentro da tua sombra.
estavas deitado dentro da tua morte,
como um santo.


Antero de Quental, a vida e uma manhã (com Urbano), Publiçor, Ponta Delgada, 2010.

domingo, 9 de setembro de 2012

TATIANA FAIA

[FICAS ONDE OUTRORA CAMINHASTE MAR DENTRO]


ficas onde outrora caminhaste mar dentro
guardaste uma impressão clara de areia
movendo-se sobre os pés
por vezes a água como pequenas esquinas
ferindo o ponto onde
te descalças e moves

contagiam-te depressa cores escuras
as noites ancoradas de portos em corinto
o preto e o cinzento azulado
que fica do hábito de endoidecer
por entre traves passa a madrugada

encho de passos lugares onde já estiveste
torno a caminhar para fora dos limites da cidade
nas primeiras madrugadas de Outono
vou endoidecendo à espera de um fio de voz
que venda o regresso à hora do labirinto


Ítaca, n.º 1, Coisas de Ler, Lisboa, 2010.