domingo, 22 de maio de 2016

CARLOS NOGUEIRA

[ANDAVA UM HOMEM]


andava um homem à procura de si
quando reparou que as searas tinham sido incendiadas
o mar se desregulara
e o sol ardia de outra maneira
com as mãos que pôde dedicou-se a juntar pedras
e o que restava
a construir uma casa geométrica com abertura para cima
no sentido ao contrário da paisagem e das casas
que até então conhecera

com a luz que ainda havia
fez-lhe chão


Textos de trabalho, Averno, Lisboa, 2016.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

RUI PIRES CABRAL

THE STRANGER SONG


Ele quis dizer-te agarra
a noite e não pudeste
contentá-lo. Agora
é tarde. Cai uma nódoa
na parede, na camisa

do poema. És acossado
pelo fim que consentiste
e pela sombra da razão
que não tiveste. Olhas
em volta

e só não vês o que aí está
se não quiseres perder de vez
a ilusão de uma saída.
Nos arredores, a luz
é torpe, o verso

inquina. Não há
comboio a estas horas
que te leve ao outro lado
onde te espera, por engano,
a tua vida.

A mil braças de profundidade, AA. VV., Eclusa, Lisboa, 2016.

terça-feira, 17 de maio de 2016

RUI BAIÃO

[CERTO INÚTIL VIRAR DE COSTAS]


Certo inútil virar de costas.
Proibido, o sul todo. Azul
da queima, milhares de teias.
Sei o que vale na boca, a seta
certa. Doente ulterior à cobrição.
Tal o azar, nunca te disse.

Noizz, Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, 2016.