sábado, 29 de abril de 2017

ANTÓNIO BARAHONA

SÓ O SOM POR SI SÓ


Só o som por si só
fechou (em aberto) um poema
muito perto de Deus,
na ciência da ignorância
e ao relento.

Sacudo o pó da cabaia:
a viagem conti-
nua
sem distância
através do silêncio.


Só o som por si só, Alambique, Lisboa, 2017.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

MANUEL DE FREITAS

ESTUDOS CAMONIANOS


Estavas linda, Inês, e Camões
decerto não se importará
se eu disser que tinhas
posta no lugar a carne inteira
do meu futuro desassossego.

Aos poucos vai o corpo apodrecendo,
gentil da terra furor de que esquecemos
notícia e lastro, entretidos a morrer
por novas avenidas velhas
que em breve nos não verão mais,
apartados pela vidinha.

Mas estavas tu linda, Inês,
alheia ou talvez nem tanto
ao cego conhecido engano
que por vezes se dissipa
antes mesmo de existir.


Game over (2.ª edição, revista), Alambique, Lisboa, 2017.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

A. M. PIRES CABRAL

[DIRIJO-ME A TI, GABRIEL]


Dirijo-me a ti, Gabriel, sem sequer saber se ainda vives. Mas isso é irrelevante. Porque o que eu realmente pretendo neste texto não é fingir que dialogo contigo, mas sim convocar a memória daquele que foi sem dúvida o maior e mais firme amigo que alguma vez tive: tu.

Lembras-te de como éramos aos quinze anos? De como éramos aos vinte e dois? Aos quarenta?

Lembras?

E não te dá vontade de chorar?

[...]


Singularidades, Cotovia, Lisboa, 2017.