domingo, 25 de novembro de 2012

RUI CAEIRO

[QUEM VIVE PARA O AMOR ESTÁ LIXADO]


Quem vive para o amor está lixado
não tarda, que o amor é um amplo espaço
vazio sem cor nem forma e um silêncio
tumular por dentro. Mau, muito mau
para se levar alguém. Mas tu vieste
e de imediato tudo fôra já decidido
como quando alguém nasce e olha em torno
– pouco importa se estranha ou não a paisagem.
Tínhamos o nosso espaço e tínhamo-nos
a nós, um ao outro por natural companhia
era o amor, tudo indicava. Podia-se morrer
disso. E tínhamos o tempo todo para ver.


Resumo: A poesia em 2011 [de O quarto azul e outros poemas], org. de Armando Silva Carvalho, José Alberto Oliveira, Luís Miguel Queirós e Manuel de Freitas, Fnac/Documenta, Lisboa, 2012.

domingo, 18 de novembro de 2012

JORGE ROQUE

CÍRCULO


Temos de confiar nas pessoas, afirmava o meu pai, perante as objecções da minha mãe que eram muitas e fundamentadas, e eu criança pouco entendia, embora me sentisse inclinado a defender o meu pai contra as armas e razões da minha mãe, talvez porque na sua eloquência a minha mãe ganhasse clara vantagem e eu nutrisse simpatia pelos derrotados, ou simplesmente porque o gene se tivesse cumprido e eu na minha crença insensata repetisse o meu pai.
 
Quanto mais sofro por viver de coração aberto, é o que desta memória hoje se ilumina, mais me reconheço nas palavras do meu pai. Quanto mais envelheço, mais me aproximo do lugar que deixou vazio.


Cão Celeste, n.º 2, Lisboa, 2012.

domingo, 11 de novembro de 2012

JOSÉ CARLOS SOARES

[NADA OBTERÁS]


Nada obterás
a não ser a perda,

a cor cega
que dentro já separa
a paz secreta

dos espinhos. Inevitável
sombra insubmissa
decide por que passos
se prepara a entrega.


Do lado de fora, Edições 50 Kg, Porto, 2012.