sexta-feira, 30 de junho de 2017

MANUEL AFONSO COSTA

O ANTEPASSADO DESCONHECIDO


o entardecer é raso
e tem a nitidez de um perigo
(a mentira entre a sopa e a fruta)
mas quando a névoa
atinge o teu olhar
a palavra que te acode aos lábios
tem a pressa de um augúrio
ele escutava apenas
a melodia das conversas
era um intruso
no coração das trevas
porém o seu rosto
era algumas vezes
um clarão na obscuridade


Memórias da casa da China e de outras visitas, Assírio & Alvim, Lisboa, 2017.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

JOÃO PAULO ESTEVES DA SILVA

A MINHA TIA


Ficou em coma durante vários meses.
Falar com ela era falar com deus,
sem ficar à espera de resposta,
a acreditar que estava a ouvir.

Quando acordou, desfez-se
em palavras longínquas
que mal tocavam
na pele presente;

só mesmo numas partes
difusas, onde os peixes
não se distinguem da água
nem os mortos dos vivos.

Elogiei-lhe o quarto, na clínica.
Espaçoso, com uma bela vista.
Respondeu: — Se olhares pela janela,
podes ver a tua avó vestida de árvore.

Olhei. E era verdade.
O mar ia batendo o tempo.
Um renque de pinheiros
destacava-se do céu.


Tâmaras, Douda Correria, Lisboa, 2016.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

NUNO MOURA

(3)


dormimos no porão do iceberg
agarrados ao tambor da festa


Clube dos Haxixins, Douda Correria, Lisboa, 2016.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

ARMANDO SILVA CARVALHO

1938-2017