BENILDE, SENTADA
Benilde, nessa tarde, tinha dores
e estava viva, se me desculparem
o truísmo. Abandonara o balcão,
por uma vez, sentando-se perto
destes versos. Eu tinha apenas febre,
um cansaço de tudo e de mim também.
Anoitece, de facto, cada vez mais cedo.
À falta de clientes, as sombras do jardim
irrompem pela taberna, contornam
devagar o oratório do Grupo Excursionista
Os Gosmas. Pergunto-me se algum deles
estará ainda suficientemente vivo, se
o pequeno comboio os levou ou não
até ao fim da dor, agora iluminado.
Mas não me respondas, poema.
Deixa-te ficar ao lado de Benilde, sentada
e tranquila nesta tarde de Novembro.
A noite não precisa de palavras.
A última porta [de Terra sem coroa], org. José Miguel Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2010.
Há 3 horas