quarta-feira, 2 de março de 2016

MIGUEL MARTINS

[UM APICULTOR ATRAVESSA A CHARNECA, MUNIDO]


Um apicultor atravessa a charneca, munido
da sua parafernália característica. Alto,
esguio, dando-se o tempo que só a reforma
permite. É Sherlock Holmes, um cavalheiro
que nunca viveu e, contudo, nunca morrerá.
Imagino-me a seu lado, raro confidente
de quanto não ficou escrito e das ciências
de que não sabe tudo, mas apenas muito.
É óbvio que é, apenas, imaginação – seria
um anacronismo e isto é, tão-só, escrita
criativa, pequena prosa versificada,
desenfastio de um privilegiado que não sabe
aguardar o almoço ou conciliar o sono.


Cadávares esquisitos, Do Lado Esquerdo, Coimbra, 2015.