A MINHA TIA
Ficou em coma durante vários meses.
Falar com ela era falar com deus,
sem ficar à espera de resposta,
a acreditar que estava a ouvir.
Quando acordou, desfez-se
em palavras longínquas
que mal tocavam
na pele presente;
só mesmo numas partes
difusas, onde os peixes
não se distinguem da água
nem os mortos dos vivos.
Elogiei-lhe o quarto, na clínica.
Espaçoso, com uma bela vista.
Respondeu: — Se olhares pela janela,
podes ver a tua avó vestida de árvore.
Olhei. E era verdade.
O mar ia batendo o tempo.
Um renque de pinheiros
destacava-se do céu.
Tâmaras, Douda Correria, Lisboa, 2016.
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