[PALAVRAS QUASE INAUDÍVEIS POR BAIXO]
Palavras quase inaudíveis por baixo
de um ritmo, pareciam palavras
quando encostaste o ouvido
ao pequeno pássaro. O pequeno pássaro
tem um coração que continua a bater
dentro do seu corpo depenado, quase
não nasceu e já está a morrer.
Está um homem de idade indefinida,
vestido de cor indefinida, nem alto nem baixo,
nem gordo nem magro, iluminado pelo verde
da cruz da farmácia, vê-me a pegar no pássaro
e quando eu me aproximo ainda se indefine
mais, tem medo, desata a fugir e eu grito-lhe,
homem indefinido, venha cá, não vê que é
apenas um pássaro que está a morrer?
Depois foste a apanhar o comboio que pára
em Todas, tivesse sido outro o comboio
que apanhaste e tudo seria diferente.
A vida toda seria diferente. Seria
melhor, seria pior, seria diferente.
Olha-se para aquele corpo e não parece
que esteja preso por arames. O corpo
fará análises e exames. Valores normais, nada
de especial, não há razão para alarme. Mas, se
se olhar bem, ver-se-ão os arames
que o prendem. A quê? Prendem-no
ao amor, porra, ao amor, é preciso gritar?
Nem no sonho nem na vida se sabe
o fim, acordo-te antes que a dúvida
te faça retirar a mão de onde repousavas.
Ainda me atormentais, banais segredos
do reino animal, atormentar-me-eis sempre,
pelos vistos sempre, sempre, sempre.
Segredos do Reino Animal, Assírio & Alvim, Lisboa, 2007.
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