XIII
Tenho para mim neste derrotado começo de século
neste farrapo de país em que a própria língua virá em
breve a ser idioma secreto
e a quem ninguém chamará pátria nem tão-pouco
nação, apesar da vigilância sobre a nossa existência
ser matéria autocrática e clerical,
tenho para mim que nesta geografia
a casa rural é a expressão mais pura que sobrevive,
qualquer coisa ao alcance
entre o castelo e a igreja, entre a cruz e o adro,
ornamento que sustenta o carácter da arte e da paisagem.
Expressão do movimento, de uma cor.
Ao fim do pátio, onde a alma da casa termina, está
uma taça de granito. Bebedouro de pássaros nos meses
quentes, cobre-se de medronhos
pelos cálidos dias outonais do verão de São Martinho.
Em oferta, do áspero amarelo ao quente laranja,
no contraste da pedra o meio dia intensifica de brilho
cambiantes vermelhos – rosa vivíssimo e sangue
esmagado – o calor abre em ouro o corpo do fruto,
insectos despertam de um íntimo, longínquo mundo de
treva, como se subissem da mais antiga morte, da mais profunda vida.
Mãe-do-fogo, Relógio d'Água, Lisboa, 2009.
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