para a Inês
«Isto já não tem melhoras» – acabou
por nos dizer Zulmira, referindo-se
à sua perna atropelada, à vida,
ao filho que há três anos lhe mataram,
embora se chamasse Epifânio.
E ficou assim, completamente sozinha,
deusa rude e resignada que veio
dos campos servir vinhos e cervejas
a uma «freguesia» que foi, em tempos,
tão imensa como é agora a sua solidão.
Uma quase mansa solidão, se virmos bem,
uma tristeza sem lágrimas, uma sabedoria
que se volta a confundir com o azul forte das paredes,
com o seu nome último e inquebrantável,
a «passar o tempo» entre os muros deste reino.
Tem agora a mesma idade que Maria,
abre só para ti uma garrafa de ginja
e assiste calmamente ao fim do mundo.
A nova poesia portuguesa, Poesia Incompleta, Lisboa, 2010.