OS ÓCULOS DO SR. PESSOA
Ouvi hoje dizer que o poeta sr. Fernando
Pessoa operou uma ruptura
com a lírica tradicional.
Diziam também que pensou em inglês nirvânico
e fez do vocabulário lusitano
a sua pátria.
Tudo isso me parece perfídia
de quem não soube olhar na rua a sua voz.
O poeta sempre soube ser o máximo canibal
entre todos os homens.
Por vezes, o sr. Pessoa sentava-se nas poltronas
da impotência e deixava arder o vidro
dos seus óculos.
À luz que se acendia sucumbia.
E todas as palavras tremiam a um canto do mundo
cansadas do seu baile de máscaras.
O fulgor da catástrofe
não ofuscava ainda a miopia sábia
dessa estranha – pessoa.
Digam e propaguem isto em memória sua.
Que eu nunca fiz de coisa alguma
a minha pátria.
Os poemas da minha vida [de O livro de Alexandre Bissexto], org. Eduardo Lourenço, Público, 2006.
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