domingo, 7 de agosto de 2011

GOLGONA ANGHEL

[ONTEM, EM CASA DE MADAME POMPIDOU]


Ontem, em casa de Madame Pompidou,
quando passei, levando para a ceia
sardinhas e bohémias,
estava sentado, conversando contigo,
por debaixo de um molho de velas cor-de-laranja,
um senhor ruivo, de testa alta,
que me seduziu de imediato,
talvez por lhe pressentir,
apesar de tão enterrado no cadeirão do Ikea,
um raro charme
ao mover-se com o plúmbeo peso das estátuas.

Quem era? Suponho que nos acaba de chegar
do fundo dos lagos da Noruega,
porque não recordo tê-lo ainda avistado na esquina dos
estudantes Erasmus, no Bairro Alto.
Porque é que não pedi uma breve introdução ao tema?
Nem sei. Talvez o requinte em retardar,
que fazia com que o marquês de La Fayette,
dirigindo-se para a flor do seu desejo,
tomasse séculos a chegar à hora H.
Sabe o que dava tanta pica à hora H,
nos tempos do rei Artur? Não sabe... Pois,
resultados de não lerem
Geoffroy de Monmouth (séc. XIII).

O facto é que depois desses momentos de contemplação
intermitente
voltei à perfeição da minha sardinha.
Na pátria de Alexandre Herculano
e no idioma de Gonçalo Dias,
misturava desajeitadamente
as rudes entranhas do peixe
com os finos olhares do senhor
como quem se atreve a misturar
foie gras com Brigitte Bardot.
Podia ter dito alguma coisa.
Podia, enfim, ter escrito um soneto.
Mas não foram estes floreados rimados
que mais prejudicaram o Dante aos olhos de Beatriz?
Não dizia a própria Laura que Petrarca podia ter tido acesso
às suas graças se não falasse demais?
Sem dúvida, tudo isto não está escrito
na obra de Petrarca,
mas o Dom Quixote insiste em confirmar a história.

Tudo tende à efabulação no nosso país
e é com estes elementos alegres
que nós procuramos,
se não restaurar o império de África,
ao menos celebrar os santos populares.


Vim porque me pagavam, Mariposa Azual, Lisboa, 2011.