M., A ÚLTIMA PALAVRA
Entre restos de vida passada
refugiava-se o coração de cada um de nós no seu covil,
uma gota de sangue, pequeno vitral de reflexos coloridos,
na orelha de M., a pistola no chão perto da mão, ainda quente a pistola.
O que quer que tivesse acontecido
fora em sítios inacessíveis às notícias dos jornais
e aos flashes das máquinas fotográficas
voando agora como aves cegas à sua volta.
Um grande mutismo cobrira tudo
gelando os nossos passos e o que disséssemos
ainda antes de pronunciado;
percebia-se, de quem sempre quis ter a última palavra.
Não se percebia era a falta de uma explicação ou de um sinal
(ao menos um sinal justificar-se-ia dadas as circunstâncias),
apenas um botão do casaco mal abotoado,
provavelmente sugerindo alguma impaciência.
Público, Lisboa, 9 de Abril de 2011.
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