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Enquanto estava parada, a dois metros de distância, sem me atrever a esboçar um movimento para não o acordar, percebi que a força daquele homem, descontada a robustez física, lhe vinha de não tomar nada por certo, de viver simplesmente o dia-a-dia. Antoine dormia pesadamente, imerso no sono, com a imobilidade de um animal que hiberna ou de alguém fulminado por um tiro. Dormia com a mesma convicção que põe em tudo o que faz, com a ressalva de que nele convicção e desprendimento se equivalem e confundem. Não sofria, não pensava, não tinha sonhos, visões, arrependimentos. Simplesmente dormia.
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"Antes da Revolução", Granta, n.º 7, Tinta-da-China, Lisboa, 2016.