sexta-feira, 15 de agosto de 2008

JOSÉ CARLOS BARROS

AS FRONTEIRAS


Era no tempo improvável da etnografia:
vestíamos jeans e corríamos no restolho,
viravam-se nos lameiros os fenos
três dias depois de ceifados
à lâmina, vivíamos depressa
a ler o Cesariny ou a debulhar
o milho nos sobrados, espalhava-se no chão
a caminho da igreja o alecrim.
Parece que foi no séc. XIX
entre retratos como se fossem a sépia e os bilhetes
do expresso de Lisboa comprados
no Cunha a ver os concertos de jazz.
O que nos traiu não é fácil de dizer.
Agora é apenas como se um estranho caleidoscópio
misturasse a tristeza e o êxtase
do que fomos, do que quase chegámos a ser.


Periférica, n.º 13, Vilarelho, Vila Pouca de Aguiar, 2005.