domingo, 30 de novembro de 2008

VÍTOR NOGUEIRA

MUSAS


Apolo, chamemos-lhe assim,
é caixeiro-viajante «por acaso», mas
quer tirar enfermagem. Diz que escreve poesia
— está visto, pode acontecer a qualquer um.
Em cima do escadote, o farol do comércio tradicional
organiza a prateleira das águas-de-colónia.
Tudo lhe parece um pouco excessivo.

Apolo insiste numa espécie de sermão
de Santo António aos desodorizantes:
alexandrinos e decassílabos,
arquitecturas de grande entusiasmo,
a nossa relação com a História,
seres iluminados que alcançam o Nirvana.

Mas, de novo, as leis do «acaso»
desempenham um papel importante:
pede-se ao dono do Fiat branco que o afaste,
ou será rebocado. Aí vai ele, o viajante.
De algum modo, a poesia é difícil para todos.
Basicamente, não fazemos a menor ideia
do que se passa no mundo.


Comércio tradicional, Averno, Lisboa, 2008.