CASA EM RUÍNAS
O xisto das paredes acolheu
os poucos desejos. O telhado
cortou os grandes frios da geada,
desviou a chuva das enxergas.
Pelos postigos entrou alguma luz.
Rezou-se e morreu-se nessa casa.
Hoje as paredes vão-se aos poucos derruindo:
aproximam-se do chão de que nasceram.
Como se se executasse nela
um antigo memento: quia petra es
et in petram reverteris.
Há muito que o vento derrubou
a derradeira telha. Caíram de podres
as vigas do telhado, e há já alguns invernos
que deram achas para arder no lume.
Quase não há vestígios de postigos –
salvo uma floreira que parece ali
um capricho escarninho.
Cumpriu-se na casa um ciclo.
Hoje não tem serventia,
salvo para alguns animais furtivos
que a ocupam e lhe pedem afinal
as mesmas funções simples
que aquele que a edificou pediu outrora.
Na sua decadência persistente,
a casa mete pena, como todos
os sonhos que algum dia floresceram
e depois se foram esfarelando.
Está visto: as casas não têm
a mesma estouvada vocação
de eternidade
que atormenta os seus donos.
Arado, Cotovia, Lisboa, 2009.
Há 10 horas