Para Manuel de Freitas
Saudades da boémia que não sei:
O excesso de bebida. O charro.
(Eu sempre fui respeitador da lei,
Mas de barro.)
Saudades do balcão com a amizade
E o copo de cerveja.
(À noite, despe-se a cidade:
Único corpo nu que me deseja.)
Saudades do carinho
No ombro, na coxa, no cabelo.
(A mão da morte entorna o vinho
À sede de bebê-lo.)
Saudades desse alguém
Que não sei onde mora.
(E não sei de onde vem
Quando demora.)
Saudades do amor
Que nunca foi o meu.
(E de que sou acusador
E réu.)
Saudades a exigir ao velho
A vertigem da fuga.
(Mas não se pode destruir, no espelho,
A ruga.)
Restos de Quase Nada e Outras Poesias, Averno, Lisboa, 2006.