WIM MERTENS
Stratégie de la Rupture
o Pragal (e evitámos sempre
peregrinações que fossem para lá
da praia mais a sul da Caparica) era
uma manhã muito branca
vindos de Lisboa e da Noite
ainda os olhos ruminavam os reflexos do rio
que havia maquinado beleza e cegueira
dentro do comboio da ponte e de nós
a sala de desenho
– com a palavra Deleuze a giz no quadro negro
seguida de mais uma daquelas citações bastante
herméticas e, diga-se, cheia de erros ortográficos –
era tão branca como a manhã do Pragal
alguns de nós eram os menos talentosos
artistas do Reino
eu, por exemplo, que preferia mil vezes
o almoço na cantina, a comer o coração da mãe
para entender a linguagem dos pássaros
e apreciava a chegada do bom tempo
cultivando a preguiça nos jardins
a minha produção, é verdade, caminhava já
para um lugar etéreo, ténue, um desses lugares
que podemos encontrar apenas no Dicionário de
lugares imaginários (nem deve ter sequer entrada)
limitava-me a marcar em algumas folhas
uns insuspeitos carimbos
que comprara
em lugar das académicas vaias
havia para nós, Joana, músicas
Telhados de Vidro, n.º 12, Averno, Lisboa, 2009.
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