PRAÇA DAS FLORES N.º 5
Tarde chuvosa de Verão a redimir
o luminoso e opressivo cansaço de Lisboa.
Abrigo-me numa taberna agora sombria
devido ao cinzento súbito do céu.
Aqui o tempo é uma ferida menor, vejo-o
pelas tardes sempre iguais destes homens
a jogar dominó, a zaragatear por vezes
acerca de importantes questões,
metafísicas inerentes a este jogo.
Que calma, esta do vencido
pagando cervejas aos vencedores,
o vinho tépido servido por alguém
que sem pressas nem angústias
envelhece por detrás do balcão.
É uma calma suave e perturbante, talvez
como a chuva lá fora, e encanta-me
esta singeleza profunda, a sedução de
exauridos olhares que a vinho sobrevivem.
Dir-se-ia ter nos meus ombros
toda a tristeza do mundo, ainda que
o mundo pouco valha ao pé desta taberna
na tarde molhada da cidade. E contudo
sinto-me estranho como em qualquer lugar,
espião não da casa do amor mas na da
morte quotidianamente vivida.
A melancolia pode às vezes ser isto,
um modo de sobreviver ao vazio, o comovido
jeito de pôr a mão sobre o mármore da mesa
e pedir outro martini, fresco
se faz favor.
Todos contentes e eu também, Campo das Letras, Porto, 2000.
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