Baixo, guitarra, furor, bateria: o habitual
da insurreição juvenil, retiro de ofendidos
ou coisa que o valha, por todo um meio Inverno
de rotos acordes. Dizer que foi um sonho
é já efabular, se até os instrumentos eram
emprestados, os gritos de empestado, a pose,
o cuspo dos pês no microfone suburbano.
Não, não era isso. Não era sequer a música:
apenas a suspeita de nenhum futuro, como
berravam os piores cantores; o desconsolo
do real, tão alheio à fantasia do possível.
Quando tudo nos chamava pelo nome e
ninguém desconhecia que devíamos à morte
uma conta calada, um balúrdio de espuma.
E assim a juventude, em nosso peito,
retumbava uma batida detestável.
Foram cinco, seis semanas de frustradas
tentativas, todas muito de partir o comboiinho
do sentido. Pelo tropel de decibéis desnorteados
percebemos que corríamos a monte, sem
feitio nem agrado. Não era por ali. Paciência,
concluímos, cada um para seu lado: o das vozes
para os livros, o baixista para as mágoas,
o guitar para a mentira, o baterista para a morte.
Divina música: antologia de poesia sobre música (de Walkmen), org. Amadeu Baptista, Conservatório Regional de Música de Viseu, 2009.