domingo, 8 de agosto de 2010

MIGUEL CARDOSO

[É PORVENTURA IMPOSSÍVEL]


É porventura impossível
apercebermo-nos disto muito claramente.
Há outras maneiras, mesmo no rumor
com que os gestos se adiantam ao saber.
Assim se abranda um pouco a cegueira dos dias.
Porque apesar de tudo.
Experimenta chocalhar
o ouvido como se cavasses trincheiras
entre as notas, antecipa as incontinuidades,
cuida da imprecisão
como se fosse a mais exacta ciência.
Algures entre o torcer da língua
e o derrapar dos pés.
Afinar esta dança não é a menor das nossas tarefas.
Estou certo que já alguém o disse
(mesmo que o não soubesse):
Não conheço violência mais delicada
ou delicadeza mais bruta.


Que se Diga que Vi como a Faca Corta, Mariposa Azual, Lisboa, 2010.