terça-feira, 11 de janeiro de 2011

MANUEL ANTÓNIO PINA

A ILHA NUA
(Depois de ter visto o filme «A ilha nua», de Kaneto Shindo)


animal passageiro a quem já sobra
dentro da boca o susto da viagem
tu que com cuspo aprendes a paisagem
e és o juro que a usurária cobra

animal educado a quem a dor
repete intimamente e habitua
e tão intimamente continua
a breve continência exterior

tu que passas sem pressas sem assombros
e que afogas na sede que te apresa
teu líquido senhor que pesa pesa
nos teus cristóvãos portugueses ombros

tu que com sono a glabra ilha lavras
e com o sonho avidamente a usas
na dura arquitectura das palavras
tu que tudo te dura das palavras


Poemas com cinema [de Ainda não é o fim nem o princípio do Mundo calma é apenas um pouco tarde], org. Joana Matos Frias, Luís Miguel Queirós e Rosa Maria Martelo, Assírio & Alvim, Lisboa, 2010.