domingo, 22 de maio de 2011

RUI CAEIRO

O FÓSFORO


Já tens o cigarro preso nos lábios, buscas
o pau de fósforo que o acenda e justifique
Nesse preciso instante a garantia
do teu futuro ou a salvação da tua
alma não são, se é que alguma vez
foram, o problema crucial da tua vida
sequer uma questão prioritária, o magno
problema é o fósforo, mas onde pus eu
a caixa?, e quando por fim a encontras
se a encontras, extrais dela o almejado
couto de madeira, esfregas não tarda
a cabeça vermelha na lixa da caixa,
aproximas a chama do cigarro, sorves
com avidez e deleite – e essa coisa frágil
absurda, milagrosa, que uma vida
sempre é – e por que raio havia a tua
de ser diferente? – está nesse preciso
momento plenamente justificada.





Resumo: A poesia em 2010 [de Criatura, n.º 5], org. José Alberto Oliveira, José Tolentino Mendonça, Luís Miguel Queirós e Manuel de Freitas, Assírio & Alvim, Lisboa, 2011.