QUATRO
Nesse tempo ainda as raparigas
não tinham sido inventadas.
Éramos só nós, o bando dos andróginos,
a correr atrás dos gatos.
Amoras e ameixas acenavam-nos
atrás de gradeados.
Quem mijava a cinco metros
empunhava o caduceu.
A ordem natural era seguida
com feroz habilidade.
Nenhum de nós sabia
o decálogo de cor. À força
e ao arrojo chamávamos humano.
Entrávamos em Tróia de joelhos
esfolados. E uma pedra, bem lançada,
valia um argumento.
O pior que nos podia acontecer
era sermos exilados, condenados
a brincar ao invisível
com a raça das escuras raparigas,
aprender a passajar o verso heróico.
Só mais tarde o gineceu saiu à rua;
trazendo laçarotes, mandamentos,
aromas esquisitos. Mas isso, já se sabe,
é outra história.
Vista para um pátio, Relógio d'Água, Lisboa, 2003.
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