SOMBRAS
Em agosto, à sombra de uma esplanada
Da Batalha, no Porto, a beber cerveja
Água tónica, ruidosos e contentes, todos.
Ele com um livro de Gil de Biedma.
Folheia-o enquanto um aventureiro da guitarra
Dedilha a sobrevivência dessa vagabundagem
Que já foi literatura e cinema.
Lembra-se, então, de um homem que vendia poemas
Para comprar laranjas ou de um outro que
Os dava a troco de um sorriso.
As arestas da cidade ferem-lhe o pensamento.
Tem de tudo, angústia e humor
Arrumado nas estantes e sabe que
Quanto mais se vive com o tempo
Mais se morre com ele. É difícil
Permanecer em silêncio, continuar
No fingimento dessa felicidade.
As gargalhadas param. Talvez um poeta
Não saiba senão falar do que se esqueceu.
Pst pst, a conta, por favor.
Em Trânsito, & etc, Lisboa, 2003.
Há 4 horas