quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

VÍTOR NOGUEIRA

SOBRESSALTO


Um escape livre corta a Rua Alexandre Herculano,
fende, talvez sem remedeio, a escrita de um soneto.
O Senhor Gouveia não suporta marialvas
com fumaças de Apolos e farfalhices de Mercúrios.

Hoje, que os tempos mudaram, os D. Juans
não usam fina lâmina de Toledo, nem vão
da dama preferida, a lança em riste, disputar
a soberania da beleza, em ginetes de fina raça.

Hoje, a espada é, quando muito, um telemóvel;
os corcéis, motocicletas barulhentas; e o chapéu
emplumado, um capacete (que às vezes, apeados,
mantêm na cabeça, como um quico de comédia).

Depois, claro, os romances de amor são menos vivos,
menos cintilantes de ardores apaixonados.



Senhor Gouveia, Averno, Lisboa, 2006.