«É BOM VIVER NA TERRA?»
No parque, sobre a relva,
onde é tudo tão difuso,
eu não tenho relação
com a minha vida. Indistinto
entre as dezenas de pontos
que um mestre desconhecido
distribui por acidente
na tela crua da sorte,
não tenho nome ou idade,
nem sequer um coração
para sofrer outra ofensa:
nunca desci ao inferno
de um amor desenganado,
nada perdi que me fosse
precioso ou necessário
e de resto não conheço
os quatro cantos do medo,
nem tão-pouco me pertence
este modo de estar só
que inventei sem querer.
De seguro, por agora,
só tenho o corpo que ofereço
ao calor da primavera –
e nem me custa ser eu, se sou
também qualquer homem
de qualquer tempo e lugar
que alguma vez se deitou
sem cuidados ou remorso
entre as árvores enfeitadas
pela breve luz da tarde.
Oráculos de cabeceira, Averno, Lisboa, 2009.
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