quarta-feira, 1 de julho de 2009

RUI LAGE

LARGO DA MATERNIDADE


Não te esqueças
do que é preciso comprar na mercearia:
leite e pão para dar ao dente,
jornais e revistas para folhear,
tabaco no quiosque do Zé Silva
(morreu de cancro, é claro,
se não é uma puta, a vida,
não sei o que será
por mais que me apeteça vivê-la).

Se demorar, é porque assisto embevecido
à migração dos autocarros
ou às obras na rodovia
(também tu sabes ser às vezes
um martelo pneumático),
ou porque algo me trouxe a esta mesa
ao pé da porta do W. C.,
de onde não sairei antes de a noite
pousar no cinzeiro
e rua abaixo, escadas acima,
me empurrar até à porta do lar.

Estarás porventura à minha espera.
Eu, decerto fora de mim,
entrarei no quarto,
alheio às nódoas na camisa
que hás-de lavar no tanque amanhã,
nódoa negra no braço
e pala no olho
a tapar o inchaço.


Revólver, Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2006.