domingo, 24 de outubro de 2010

DAVID TELES PEREIRA

CEMITÉRIO JUDAICO DA RUA OKOPOWA


No cemitério judaico da Rua Okopowa é como se o ar cobrasse juros,
memória irrespirável da carne, impressa no vento
que raciona as flores pelos vários mortos.

Perdemo-nos nos nomes imensos,
como o de Szimon Askenazy, historiador e estadista
que, ao que parece, lutou por uma Polónia independente
e hoje não tem quem lhe agradeça com flores o incómodo.
Não é o único por aqui a quem já lhe morreu tudo,
não é o único que paga com ausência de rosas
a conta de ter sido corpo em ruína e espelho
para outros se assustarem.

De Marian e Hannah não tenho notícia,
devem estar, como todos, a apodrecer,
mas apenas noutro canto qualquer.
Agora já só uma expedição de incautos vermes
lhes há-de acordar os ossos.


Criatura, n.º 5, Núcleo Autónomo Calíope da Faculdade de Direito de Lisboa, 2010.